Todo mundo sabe disso, então por que continuamos desejando os ideais? Um par perfeito. Alguém do seu número, que atenda aos seus anseios, que diga o que sempre sonhou escutar. Alguém que lhe dê colo na hora certa, o abrace quando carente, incentive quando está fraquejando. Um excelente trabalho, sem chefe, de preferência… E alta remuneração!

A fantasia nos acompanha sempre e devemos dar a ela o lugar que merece. Nem sempre é consciente. Podemos inconscientemente viver fantasias sobre as quais nada sabemos. Sabemos apenas que a vida tem a tonalidade que damos a ela na nossa subjetividade.

Como ver o mundo através de lentes coloridas, nossa subjetividade vê o mundo e tudo o que ocorre por meio de registros antigos. Da formatação infantil construída a partir do romance familiar somada às predisposições com que cada um de nós vem ao mundo. A forma singular com que cada um interpreta o mundo e as pessoas e, como consequência, sente o que vivencia.

Devaneios, anseios, sonhos e planos que duvidamos realizar um dia são imprescindíveis para o progresso e a direção de nossos passos. São raízes de objetivos futuros e talvez concretos, isto é, quando lhes damos crédito. E, quantas vezes depois de realizados, nos lembramos de tantas dúvidas que tivemos no caminho!

As fantasias são diferentes dos devaneios. Diferentemente do sintoma que nos é apresentado nas consultas, as fantasias são ocultadas, nem sempre atendem aos ideais da nossa cultura. Movem o mundo subjetivo, em parte, às vezes são ignoradas e, outras vezes, não declaradas. Apesar dessa divisão, das imperfeições, caso as suportemos, conseguiremos viver uma vida razoável, teremos contentamento e satisfações na medida do possível. Às vezes mais do que algum dia previmos, outras muito menos.

Embora saibamos que ninguém é perfeito, continuamos buscando ideais. Queremos um parceiro ideal, que atenda a expectativas tão subjetivas quanto impossíveis de serem satisfeitas. Queremos uma aparência ideal, pele sem máculas, ignorar a passagem do tempo escondendo seus sinais, evitando tudo aquilo que se afaste de um ideal.

Um ideal plantado em nossa educação a serviço da cultura e de seus endereçamentos. Estamos no capitalismo e o ideal do bom cidadão é ser um consumidor exigente e compulsivo. Investidor poderoso, esperto nas habilidades financeiras e, principalmente, endividado.

Seus compromissos mensais fixos consomem uma boa fatia do salário. Carro novo na garagem, o apê luxuoso e bem decorado, roupas de marca. E ainda feliz. Muito feliz. Sempre e imediatamente. Viva agora e pague depois!

No ideal de parceria valem as mesmas regras. E, portanto, e por mais incrível que pareça, as uniões são instáveis, elas duram o tempo da paixão, da ilusão. Quando a realidade mostra as dificuldades, fraquezas e imperfeições, o amor termina e adeus, final feliz!

Seria bom se a vida fosse como nas comédias de Billy Wilder, tudo errado e final feliz. Quem não assistiu a Quanto mais quente melhor? (1959), com Marilyn Monroe, que, em seus piores dias, deu trabalho durante as gravações. Tony Curtis e Jack Lemmon, numa interpretação hilariante. Uma comédia não tão tola.

Dois músicos vestidos de mulher e fugindo de gângsteres têm um final surpreendente. A mocinha cai nos braços de um deles, repetindo a terceira escolha por mais um saxofonista fracassado, como fazem os neuróticos. O outro músico fica noiva(o) de um milionário e se sente feliz como nunca! Na hora de dizer a verdade começa pelas beiradas: fumava muito, não podia ter filhos etc. etc. Enfim, acuado porque o noivo aceitava tudo, confessa arrancando a peruca: sou homem! O noivo apaixonado responde: “Ninguém é perfeito!”. Final feliz! Ah! Se pudéssemos ser tão simplesmente felizes…

* Regina Teixeira da Costa – reginacosta@uai.com.br

Artigo publicado no jornal Estado de Minas, edição de 08/05/2011. Fonte: UAI

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